Blackface de Marco Mendonça
Uma produção Alkantara
Blackface é um espetáculo a solo, escrito e encenado por Marco Mendonça, uma conferência musical, entre o stand up e a fantasia, entre a sátira e o teatro físico, entre o burlesco e o documental.
Partindo de experiências pessoais e da história do blackface como prática teatral racista – desde as suas raízes nos EUA aos casos portugueses –, Marco Mendonça procura os limites do que pode, ou não, ser representado num palco.
Considerando a extensa biblioteca de eventos em que esta prática racista foi usada para retratar pessoas negras como membros inferiores na sociedade portuguesa, será possível achar que não existe racismo em Portugal?
A estreia de Blackface está marcada para o dia 17 de novembro, no Teatro do Bairro Alto, no âmbito do Alkantara Festival 2023.
Ficha Artística
Direção artística, criação e interpretação Marco Mendonça Apoio à criação Bruno Huca Apoio à dramaturgia Gisela Casimiro Composição musical e sonoplastia Mestre André Vídeo Heverton Harieno Desenho de luz Rui Monteiro Cenografia Pedro Azevedo Figurino Aldina Jesus Tradução (inglês) Joseph Owen Legendas Patrícia Pimentel Direção técnica Manuel Abrantes Montagem de cenário Daniela Cardante Produção Alkantara - Sinara Suzin e Carolina Gameiro Coprodução Alkantara, Teatro do Bairro Alto e Teatro Viriato Residência de coprodução O Espaço do Tempo Apoio à residência Moussem Nomadic Arts Centre Agradecimentos Ana Cristina Mendonça, André e. Teodósio, Artistas Unidos, Bernardo Peixoto, Catarina Amaral, Cidália Espadinha, Cleo Diára, Eduardo Mendonça, Eduardo Molina, Gio Lourenço, Isabél Zuaa, Márcia Mendonça, Marcos Cardão, Maria Jorge, Nádia Yracema, Nuna, Nuno Lopes, Soraia Tavares, Raquel S., Tiago Bartolomeu Costa e Vanessa Coelho
Breve introdução ao blackface
O blackface não é uma prática nova em Portugal.
Lembro-me de ser criança, ainda a viver em Moçambique, e ouvir cassetes do Parafuso, uma personagem criada por Romão Félix nos anos 50. Nelas, Romão Félix contava episódios insólitos da relação de Parafuso com o “patrão branco” e criava expressões marcantes, citadas por um público vasto, tanto moçambicano como português. Ao ouvi-lo, pensava que era um homem moçambicano, negro, cujo trabalho era reconhecido em Portugal, porque era de Portugal que vinham as suas cassetes.
Anos mais tarde percebi que Parafuso era afinal um homem branco português, cujo sucesso tinha sido construído com uma peruca, uma lata de graxa preta e batom vermelho, perpetuando uma imagem violenta, grotesca e estereotipada do corpo negro.
Chimamanda Ngozi Adichie diz que os estereótipos podem até não ser mentira, mas serão sempre incompletos, por fazerem com que “uma história se torne a única história.” Essa história única, cujo peso insuportável as pessoas racializadas carregam diariamente sobre os ombros, não pode ser o motivo de sucesso de uns e o amplificador da opressão de outros.
A ideia de que o humor não tem limites é tão antiga como os artifícios que tornam os limites necessários. O humor pode servir para questionar esses mesmos limites, suspendendo quadros atuais de realidade política e social, ética e moral. Mas, como explica Marcos Cardão no seu texto “Blackface em Portugal. Breve história do humor racista”, é importante que não se interprete o humor como uma prática inerentemente imune à crítica, “mesmo quando o exercício humorístico ofende minorias marginalizadas ou articula e reproduz estereótipos racistas”.
É certo que o blackface, tendo surgido nos Estados Unidos, rapidamente encontrou lugar noutras culturas ocidentais, infiltrando-se assim na lista de consumos de sociedades brancas e eurocêntricas, desde a moda à literatura, à política, à cultura pop, à publicidade e ao entretenimento, onde tudo começou. Portugal, como antiga potência esclavagista e nação que ainda glorifica a época colonial, também não é estranho a práticas racistas na área do entretenimento. Um país que, segundo Marcos Cardão, “generalizou a ideia da ausência do preconceito racista” na sociedade que o habita.
Blackface - o espetáculo
Alega-se que a linguagem do “politicamente correto” só contribui para o fim da liberdade de expressão, deixando assim pouca margem de manobra criativa a artistas que, no fim de contas, só querem fazer o seu trabalho. No espetáculo Blackface, argumentarei que o racismo não é trabalho, embora sociedades inteiras continuem a lucrar a seu custo. Embora nomes conhecidos do humor português encham salas a fazê-lo, argumentarei também que o racismo não é humor. Embora séculos de opressão o tenham tornado um assunto tabu aos olhos do poder, argumentarei, por fim, que o racismo não é um mito. Não é trabalho, não é humor, não é mito, logo, qual é o seu lugar na arte? Terão as práticas racistas maior espaço no panorama artístico português do que as pessoas que são ostracizadas por essas mesmas práticas?
— Marco Mendonça
Marco Mendonça nasceu em Moçambique em 1995 e vive em Lisboa desde 2007. Licenciou-se em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Trabalha regularmente com a companhia Os Possessos. Estagiou no Teatro Nacional D. Maria II, onde trabalhou com João Pedro Vaz, Tiago Rodrigues e Faustin Linyekula. Integrou espectáculos de Liesbeth Gritter (Kassys), Tonan Quito e Mala Voadora. Estreou-se como autor e co-criador, ao lado de João Pedro Leal e Eduardo Molina, em "Parlamento Elefante", projeto vencedor da Bolsa Amélia Rey Colaço. Em 2021, venceu a Rede 5 Sentidos...
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